LITERATURA
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Em Junho de 1933 completou o curso geral dos liceus e, depois de ter feito o curso complementar no liceu da Guarda, em 1935, concluiria na Faculdade de Letras de Coimbra, em 1940, a licenciatura em Filologia Clássica. Faleceu no dia 1 de Março de 1996. Inicia a sua obra literária influenciado pela corrente neo-realista, escrevendo alguns romances de intervenção social. Abandonará este posicionamento estético – ideológico, de influência marxista, em meados dos anos 50, data de um dos seus romances mais famosos, a “Manhã Submersa”, o qual virá a dar lugar a um filme de Lauro António, em que Vergílio Ferreira desempenha o papel de Reitor. Após uma vida dedicada à arte da escrita, deixou-nos uma vasta obra romanesca, ensaística e memorialística de que se destaca Aparição. O reconhecimento do valor da sua criação literária, caracterizada por um profundo humanismo, para além de uma consagração do público e da crítica especializada, também se traduziu na atribuição de prémios literários portugueses, como o prémio Camilo Castelo Branco e o prémio Pen Clube. Convidado para assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, não chegou a desempenhar funções, entrando nesse mesmo ano para o estágio pedagógico no Liceu D. João III, nessa cidade. Leccionou, sucessivamente, nos liceus de Faro, Bragança e Évora, até finais dos anos 50. No início da década de 60, exerceu funções docentes no Liceu Camões em Lisboa, onde se reformou em finais da década de setenta.
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O Existencialismo segundo Vergílio Ferreira
Vergílio Ferreira, Espaço Invisível II
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APARIÇÃO Chaves de leitura
1.
Trata-se, conforme afirmação do próprio escritor, de um
romance-ensaio: “Romance filosófico é uma expressão equívoca. Não se pode fazer romance como forma de filosofia. O que acontece é que, a meu ver, há dois tipos de romance: o romance-espectáculo que quer dar uma imagem do real que nos circunda e o romance-problema, chamado o romance-ensaio, cujo saldo é uma reflexão. Este romance tem como objectivo fundamental pôr um problema. (...)A obra filosófica ensina, enquanto aquilo a que chamo o romance-problema interroga. Temos também de distinguir o romance-problema do romance-tese que é uma coisa horrível. O romance não pretende demonstrar nada. Além do mais, o romance joga com valores vivenciais e estéticos e a filosofia, genericamente, não. Na filosofia teoriza-se, no romance vive-se.” Um Escritor Apresenta-se (p. 112)
2. Situando-se o romance Aparição dentro da corrente filosófica do existencialismo, há que dominar algumas noções neste campo. O existencialismo é um humanismo enquanto liberta o homem dos tabus, sobretudo religiosos, e propõe a construção do homem a partir de si próprio. É o que Vergílio Ferreira afirma na obra anteriormente citada (pp. 223/224):
"Por humanismo integral entende o narrador do meu livro (como eu) a reconquista de uma harmonia do homem com a vida, depois de conhecidos, iluminados, os limites da nossa condição. Se não podem esquecer-se, evidentemente, as fundamentais aspirações a uma justiça económica e social, há ainda a encarar o problema das relações do homem consigo mesmo adentro de um mundo definitivamente humano, terreno. Para isso não dá o narrador do livro sugestão alguma, porque "a verdade aparece" Mas saber o que se deseja é já de algum modo conquistá-lo. O que pretendi exprimir em Aparição foi a necessidade, para uma realização total do homem, de ele se redescobrir a si próprio, não nos limites de uma estreita “individualização" mas no da sua "condição humana" Há que reconhecer o que somos e reabsorver (hoje, amanhã, um dia) em plenitude, o que se transpôs outrora a uma dimensão divina em que já não acreditamos."
3. Trata-se de um romance de personagem. Neste sentido, há uma personagem que ocupa a centralidade da obra, à volta da qual tudo e todos gravitam. Não se vai encontrar uma intriga tal como se estudou em Garrett, Camilo e Eça. Pode-se descobrir uma intriga muito mais sofisticada e profunda que consiste no combate que a personagem-narrador tem de travar para vencer determinados condicionalismos, limitações e contradições até ao desnudamento de si próprio, nos limites do possível. O narrador não se apresenta como individualidade pura, mas como o modelo do ser humano, conforme Vergílio Ferreira afirma in op. Cit. (pág. 149):
"Quero referir-me a um aspecto deste livro, precisamente porque tem sido um aspecto do desagrado de muita gente. É o facto de me ocupar do Eu. O Eu de que me ocupo é mais profundo do que o Eu que fala de si. É um Eu que diz respeito a todos os homens. A problemática da morte, a existência de Deus, a ausência de valores, tudo isto parte justamente da reflexão sobre essa problemática do Eu."
4. Trata-se de uma obra com algumas afinidades com o que se convencionou chamar de "novo romance", nascido em França, a partir da década de 50. Foi uma tentativa de subverter os cânones do romance tradicional: desvaloriza-se a intriga dotada de lógica interna, desagrega-se a personagem, que se torna problemática e evidencia crise de confiança na pessoa humana, dissolve-se a sequência temporal da cronologia e esvazia-se o espaço do sentido meramente referencial. Vergílio Ferreira confessa, na obra citada (pág. 166), que alguma influência recebeu dessa corrente:
"Em França, surgiu uma nova corrente há uns dez anos, a que se deu o nome de “novo romance”, e é natural que eu e mais ou menos todos os escritores (um Aragon, por exemplo, em França, e que já não é nada novo) acabássemos por sentir a sua influência."
5. Finalmente, é necessário estar atento ao processo narrativo. Em Aparição há um eu-narrador distante dos acontecimentos que narra e um narrador-personagem, auto e homodiegético. O eu-narrador distante move-se num tempo posterior aos acontecimentos narrados: "Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. "(Prólogo e Epílogo) e num espaço bem determinado: um casarão herdado, na aldeia. O narrador-personagem movimenta-se no tempo da diegese: os acontecimentos passados cerca de vinte anos antes, de Setembro a Junho, numa época em que leccionou no Liceu de Évora, acontecimentos que ocupam os 25 capítulos da obra. Terá sido aquela sala vazia e silenciosa, evocadora dos acontecimentos da sua infância e juventude, que desencadeou o processo da narração, favorecido pela noite de luar quente de Verão. Curiosamente, o processo da escrita irá prolongar-se por cerca de nove meses, traçando um percurso paralelo às peripécias da diegese.
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Bibliografia:
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