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Com os Alunos

VERGÍLIO FERREIRA
Conversando com os alunos no Liceu Camões (Lisboa, 1981)


    Vergílio Ferreira, nasceu em Melo, Serra da Estrela, a 28 de Janeiro de 1916. Descendente de pequenos camponeses, entrou para o seminário do Fundão com 10 anos de idade, como única forma de prosseguir os seus estudos. O ambiente austero da instituição religiosa e a solidão que marcaram estes primeiros tempos de juventude levaram-no a mudar de rumo em 1932.

Em Junho de 1933 completou o curso geral dos liceus e, depois de ter feito o curso complementar no liceu da Guarda, em 1935, concluiria na Faculdade de Letras de Coimbra,  em 1940, a licenciatura em Filologia Clássica. Faleceu no dia 1 de Março de 1996.

Inicia a sua obra literária influenciado pela corrente neo-realista, escrevendo alguns romances de intervenção social. Abandonará este posicionamento estético – ideológico, de influência marxista, em meados dos anos 50, data de um dos seus romances mais famosos, a “Manhã Submersa”, o qual virá a dar lugar a um filme de Lauro António, em que Vergílio Ferreira desempenha o papel de Reitor.

Após uma vida dedicada à arte da escrita, deixou-nos uma vasta obra romanesca, ensaística e memorialística de que se destaca Aparição.

O reconhecimento do valor da sua criação literária, caracterizada por um profundo humanismo, para além de uma consagração do público e da crítica especializada, também se traduziu na atribuição de prémios literários portugueses, como o prémio Camilo Castelo Branco e o prémio Pen Clube.

Convidado para assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, não chegou a desempenhar funções, entrando nesse mesmo ano para o estágio pedagógico no Liceu D. João III, nessa cidade. Leccionou, sucessivamente, nos liceus de Faro, Bragança e Évora, até finais dos anos 50. No início da década de 60, exerceu funções docentes no Liceu Camões em Lisboa, onde se reformou em finais da década de setenta.

 

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O Existencialismo segundo Vergílio Ferreira


      "O existencialismo ergue o seu protesto, afirmando que o Homem é pessoalmente, individualmente, um valor; que a sua liberdade (em todas as suas dimensões e não apenas em algumas) é uma riqueza, uma necessidade estrutural de que não deve perder-se entre a trituração do dia-a-dia; e finalmente que, fixando o homem nos seus estritos limites, só por distracção ou imbecilidade ou por crime se não vê ou não deixa ver que ao mesmo homem impende a tarefa ingente e grandiosa de se restabelecer em harmonia no mundo, para que em harmonia a sua vida lucidamente se realize desde o nascer ao morrer.
      Possivelmente gostaríeis ou teríeis curiosidade de me ouvir falar de mim, já que vou sendo insensivelmente investido na qualidade de uma espécie de delegado nacional ou regional do Existencialismo. Mas eu jamais me disse "existencialista", embora muito deva à temática existencial e pelo Existencialismo tenha manifestado publicamente o maior interesse. É que aceitarmos um rótulo automaticamente obriga a aceitar-lhe todas as consequências, entre as quais a de nos responsabilizarmos por tudo quanto sob este rótulo se disser ou fizer.
      Por mim, preferia definir o Existencialismo como a corrente de pensamento que, regressada ao existente humano, a ele privilegia e dele parte para todo o ulterior questionar. Ou então - e paralelamente ou implicitamente a essa definição - preferiria dizer, continuando Sartre, aliás, que o Existencialismo é uma corrente do pensamento que reabsorve no próprio "eu" de cada um toda e qualquer problemática e a revê através do seu raciocinar pessoal ou preferentemente da sua profunda vivência. Aí se implica portanto que nenhum questionar se estabelece em abstracto, de fora para dentro, mas antes se retoma a partir da nossa dimensão original, ou seja, verdadeiramente, de dentro para fora."

 Vergílio Ferreira, Espaço Invisível II

 

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APARIÇÃO
 

 Chaves de leitura

1.     Trata-se,   conforme   afirmação   do  próprio  escritor, de  um romance-ensaio:
 

   “Romance filosófico é uma expressão equívoca. Não se pode fazer romance como forma de filosofia. O que acontece é que, a meu ver, há dois tipos de romance: o romance-espectáculo que quer dar uma imagem do real que nos circunda e o romance-problema, chamado o romance-ensaio, cujo saldo é uma reflexão. Este romance tem como objectivo fundamental pôr um problema. (...)A obra filosófica ensina, enquanto aquilo a que chamo o romance-problema interroga. Temos também de distinguir o romance-problema do romance-tese que é uma coisa horrível. O romance não pretende demonstrar nada. Além do mais, o romance joga com valores vivenciais e estéticos e a filosofia, genericamente, não. Na filosofia teoriza-se, no romance vive-se.”

Um Escritor Apresenta-se (p. 112)

 

  •   Assim prevenido, o leitor deverá ter em conta dois níveis: o dos eventos narrados e o das reflexões, provocadas por aqueles. São dois níveis estreitamente ligados e direccionados no mesmo sentido.
     

2.    Situando-se o romance Aparição dentro da corrente filosófica do existencialismo, há que dominar algumas noções neste campo.

 O existencialismo é um humanismo enquanto liberta o homem dos tabus, sobretudo religiosos, e propõe a construção do homem a partir de si próprio. É o que Vergílio Ferreira afirma na obra anteriormente citada (pp. 223/224):

 

"Por humanismo integral entende o narrador do meu livro (como eu) a reconquista de uma harmonia do homem com a vida, depois de conhecidos, iluminados, os limites da nossa condição. Se não podem esquecer-se, evidentemente, as fundamentais aspirações a uma justiça económica e social, há ainda a encarar o problema das relações do homem consigo mesmo adentro de um mundo definitivamente humano, terreno. Para isso não dá o narrador do livro sugestão alguma, porque "a verdade aparece" Mas saber o que se deseja é já de algum modo conquistá-lo. O que pretendi exprimir em Aparição foi a necessidade, para uma realização total do homem, de ele se redescobrir a si próprio, não nos limites de uma estreita “individualização" mas no da sua "condição humana" Há que reconhecer o que somos e reabsorver (hoje, amanhã, um dia) em plenitude, o que se transpôs outrora a uma dimensão divina em que já não acreditamos."

 

3. Trata-se de um romance de personagem. Neste sentido, há uma personagem que ocupa a centralidade da obra, à volta da qual tudo e todos gravitam. Não se vai encontrar uma intriga tal como se estudou em Garrett, Camilo e Eça. Pode-se descobrir uma intriga muito mais sofisticada e profunda que consiste no combate que a personagem-narrador tem de travar para vencer determinados condicionalismos, limitações e contradições até ao desnudamento de si próprio, nos limites do possível. O narrador não se apresenta como individualidade pura, mas como o modelo do ser humano, conforme Vergílio Ferreira afirma in op. Cit. (pág. 149):

 

"Quero referir-me a um aspecto deste livro, precisamente porque tem sido um aspecto do desagrado de muita gente. É o facto de me ocupar do Eu.

O Eu de que me ocupo é mais profundo do que o Eu que fala de si. É um Eu que diz respeito a todos os homens. A problemática da morte, a existência de Deus, a ausência de valores, tudo isto parte justamente da reflexão sobre essa problemática do Eu."

 

 

4.    Trata-se de uma obra com algumas afinidades com o que se convencionou chamar de "novo romance", nascido em França, a partir da década de 50. Foi uma tentativa de subverter os cânones do romance tradicional: desvaloriza-se a intriga dotada de lógica interna, desagrega-se a personagem, que se torna problemática e evidencia crise de confiança na pessoa humana, dissolve-se a sequência temporal da cronologia e esvazia-se o espaço do sentido meramente referencial.

Vergílio Ferreira confessa, na obra citada (pág. 166), que alguma influência recebeu dessa corrente:

 

"Em França, surgiu uma nova corrente há uns dez anos, a que se deu o nome de “novo romance”, e é natural que eu e mais ou menos todos os escritores (um Aragon, por exemplo, em França, e que já não é nada novo) acabássemos por sentir a sua influência."

 

 

5.  Finalmente, é necessário estar atento ao processo narrativo. Em Aparição há um eu-narrador distante dos acontecimentos que narra e um narrador-personagem, auto e homodiegético. O eu-narrador distante move-se num tempo posterior aos acontecimentos narrados: "Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. "(Prólogo e Epílogo) e num espaço bem determinado: um casarão herdado, na aldeia. O narrador-personagem movimenta-se no tempo da diegese: os acontecimentos passados cerca de vinte anos antes, de Setembro a Junho, numa época em que leccionou no Liceu de Évora, acontecimentos que ocupam os 25 capítulos da obra. Terá sido aquela sala vazia e silenciosa, evocadora dos acontecimentos da sua infância e juventude, que desencadeou o processo da narração, favorecido pela noite de luar quente de Verão. Curiosamente, o processo da escrita irá prolongar-se por cerca de nove meses, traçando um percurso paralelo às peripécias da diegese.

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Bibliografia:

1. 
BARREIROS, António José, História da Literatura Portuguesa, Volume 2, Edição do Autor, Braga,1996.
2.  
COELHO, Jacinto do Prado , Dicionário de Literatura, Livraria Figueirinhas, Porto, 1981.
3.   FERREIRA, Vergílio, Um escritor Apresenta-se, INCM, 1981.